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O que é a prisão? Qual o seu significado civilizacional? Como está a ser usada?

A prisão é parte integrante da sociedade moderna e tem sido usada para ajudar a legitimar a manutenção da hierarquização social num quadro jurídico formalmente igualitário. Pode fazê-lo por conta com a boa vontade geral. Beneficia do desenvolvimento do efeito emocional poderoso dos desejos de vingança, espontâneos na espécie humana, controlado pelo sistema criminal. Porém, a divisão de trabalho moderna, incluindo a delegação de competências políticas no estado, a aliança aristocrática-burguesa-burocrática constitucionalmente imaginada por Montesquieu, ainda hoje em prática, não explica tudo. O novo elitismo, a substituição da nobreza aristocrática pela meritocracia empresarial, política e de funcionários, não explica a razão pela qual são homens (mais de 90%) quem vai preso.

Ao contrário do que a sociologia refere, não são os pobres quem vai preso. São grupos estigmatizados entre os pobres quem é usado como prisioneiros. Em Portugal, por exemplo, há 5 milhões de pobres e 14 mil presos com taxas de reincidência desconhecidas certamente por serem tão ou mais altas que as conhecidas noutros países. Digamos que há 300 mil pessoas que já passaram pelas prisões portuguesas, compara com os pobres numa proporção de 6%. Proporção semelhante à do encarceramento de mulheres: estatisticamente irrelevante.

São os descendentes de escravos, os ciganos, os imigrantes alguns dos grupos mais conhecidos de pessoas estigmatizadas. Menos conhecidos, mas provavelmente mais importante, é a presença fortemente maioritária, pelo menos nas prisões portuguesas, de adultos que em crianças e jovens foram abanados pelas famílias e/ou institucionalizados.

As mulheres, os velhos e as crianças que a sociedade misógina secundariza não aparecem aos olhos das pessoas assim socializadas em parte por que a representação do mal está focada na imaginária presença entre nós de criminosos capazes de desestabilizar a segurança daqueles que se montam numa escada hierárquica responsável pelo esmagamento dos de baixo. Esmagamento da maioria a quem, em quase todos os casos, é oferecido uma parte do poder extraordinário assim gerado: o poder de esmagar os debaixo e, em última instância, o poder de esmagar as mulheres, os velhos e as crianças.

O sistema criminal-penal usa o fracasso das prisões e insiste na reforma penitenciária para evitar a discussão da divergência entre os princípios do direito penal e o sistema de perseguição ao crime. Pode fazê-lo por que apela aos sentimentos populares de vingança para acumular poder. Alegando, por matreirice maquiavélica, querer controlar, na prática, tais sentimentos.

As emoções e a falta de informação, o segredo de estado, em torno prisões e dos processos criminais não enganam. Como não engana a sistemática intimidação promovida pelo sistema criminal penal contra quem se sinta injustiçado pelas práticas institucionais. Ou o condicionamento da circulação de informação penal ou penitenciária nos media e nas universidades.

Podemos, no futuro, controlar essa raiva (criminal, institucional e social) de maneiras diferentes? Seria surpreendente que isso não viesse a acontecer, como a história mostra que sempre acontece. Podemos antecipar o que acontecerá? Talvez não. As expectativas e planos sociais raramente coincidem com o que realmente acontece na prática.

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