"Quem nunca errou que atire a primeira pedra"
(Jo 8,7)
Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos
Frederico Ozanam
Nascido em 1813 de pais cristianíssimos, que souberam comunicar-lhe o amor de Deus e lhe ensinaram a ver Jesus Cristo na pessoa do pobre, Frederico Ozanam soube conservar, mesmo na idade das fortes paixões, um coração puro e a sua fé mal foi afectada, ao primeiro contacto com os sistemas filosóficos, por uma ligeira incerteza, imediatamente dissipada, da qual resultou para a vida inteira uma forte compaixão pelos transviados e a vontade de demonstrar que só o ensino caído dos lábios de Cristo e perpetuado pela Igreja possui os sinais infalíveis da verdade eterna e divina.
Terminado em Lyon o curso secundário, vai seguir Direito em Paris, onde encontra aquele meio agitado que se seguiu à queda dos Bourbons; sente-se triste e isolado ao ouvir as diatribes anti-religiosas lançadas por Jouffroy do alto da cátedra da Sorbonne.
"Paris desagrada-me", escreve ele, "porque não tem vida, nem fé, nem amor". Mas ganha forças e reage ao agasalhar-se em casa do sábio Ampère, que remata assim as conversas íntimas que com ele tem sobre as maravilhas da natureza: "Ozanam, como Deus é grande, como Deus é grande!"
Refeito então, traça o programa que dominará a actividade de toda a sua vida: residindo no catolicismo o melhor remédio para os males da sociedade contemporânea, há que demonstrar a sua verdade cientifica e histórica.
Para se armar convenientemente, lança-se ao trabalho; estuda 15 horas por dia e aprende línguas estrangeiras, ao mesmo tempo que recruta entre os estudantes da Sorbonne colaboradores com os quais prepara a resistência à ofensiva anti-religiosa que naquela Universidade se desenvolvia. Respeitosamente, mas com firmeza, sustenta a sua opinião com uma lógica que desarma o adversário e obriga Jouffroy a dizer que a oposição, de materialista, se transformou em católica.
Vêm, então, as Conferência da História como meios de formação intelectual e de adestramento para o combate. Delas nasce a Conferência da Caridade, precursora da grande obra que é a Sociedade de São Vicente de Paulo, graças à qual tantas misérias materiais e morais têm sido confortadas, por cujo intermédio tantos homens aprenderam que de nada valem os dons da inteligência se não forem acompanhados dos do coração e que o melhor remédio contra as tentações do espírito ou da carne é ainda a comunhão com o sofrimento dos nossos irmãos desgraçados.
É também nessa época que Ozanam, apenas com 21 anos, consegue vencer prevenções existentes contra Lacordaire que, apesar da sua inteira submissão a Roma e rompimento com a doutrina extremista de Lamennais, continua a ser tido como suspeito; impõe o seu nome para primeiro pregador das conferência de Notre-Dame, a primeira das quais se realiza com a assistência de 6.000 pessoas e constitui um verdadeiro triunfo. Esta é, sem dúvida, outra das grandes obras de Ozanam: ter levado ao púlpito de Notre-Dame, com a sua mundial projecção, grande pensadores que vão confirmando a vitalidade de Igreja.
Diplomado em Direito, defende também com o melhor brilho tese de Letras, sobre Dante e a filosofia do século XIII. A sua viva argumentação e a convicção profunda com que defende os seus pontos de vista, valem-lhe no final esta exclamação do professor e ministro Victor Cousin: "Senhor Ozanam, a sua exclamação do eloquente nunca foi excedida nesta faculdade! "
É então nomeado professor de Direito Comercial em Lyon e pretende ser provido na cadeira, para ele bem mais interessante, de literatura estrangeira, ao que se levantam dificuldades originadas pelas suas crenças. O Ministro promete a cátedra com condições de tomar parte no concurso aberto para a cadeira de Literatura na Sorbonne. As probabilidade de Ozanam são nulas dado haver sete concorrentes. No entanto lança-se na preparação para o concurso que abrange três literaturas clássicas e quatro estrangeiras; estuda dezoito horas por dia chegando ao exame extenuado e febril. O resultado é a sua classificação em primeiro lugar, decidindo optar pela cátedra da Sorbonne.
Na Sorbonne ensinou Ozanam com verdade e com paciência, levada ao heroísmo durante doze anos, não hesitando em imolar-se ao serviço da civilização e da Igreja, como entendia ser dever do homem de ciência cristão, em paridade de sacrifícios com o missionário que se deixa matar no Oriente. "Ah, meus senhores - dizia -, não sejamos cobardes a ponto de acreditar numa partilha que seria uma acusação contra Deus que a teria feito e uma vergonha, para nós, que a aceitaríamos".
Apaixonadamente interessou-se pelos problemas sociais e, percursor da doutrina da Igreja neste campo, defendeu o salário natural, reivindicou disposições contra o desemprego e os acidentes e reclamou a reforma para os trabalhadores.
Nas Conferências ocupou-se, além da visita domiciliária, de obras anexas e criou a visita aos menores detidos, a dos aprendizes e a dos militares.
Em 1852, exausto de trabalho, vai procurar no doce clima da Itália algum alívio para o seu mal. Mas as forças continuavam a declinar. Resignado, sente-se atraído para a eternidade e, posto que muito custosa a ideia da separação dos seus queridos, pronuncia o "fiat", abandonando-se inteiramente à vontade de Deus, na formosíssima oração escrita no dia do seu 40.º aniversário, da qual extraímos estas passagens:
«... Sei que completo hoje os meus quarenta anos, mais de metade do caminho da vida. Sei que tenho uma mulher jovem e estremecida, um filha encantadora, excelentes irmãos, uma segunda mãe, numerosos amigos, uma posição honrosa, trabalhos chegados precisamente ao ponto em que iriam servir de base a uma obra há muito sonhada. E entretanto eis que sou tomado por uma doença grave, renitente e tanto mais perigosa, porque esconde, provavelmente, um esgotamento completo.
Será então preciso deixar todos estes bens que Vós mesmo, meu Deus, me tínhas dado? Não vos contentais, senhor, com uma parte do sacrifício? Qual das minhas afeições desordenadas deverei imolar-Vos? Não aceitareis o holocausto do meu amor-próprio literário, das minhas ambições académicas, ou até mesmo dos projectos de estudo, onde talvez houvesse mais orgulho do que zelo pela verdade? Se vendesse metade dos meus livros para dar o seu valor aos pobres e cingindo-me ao cumprimento dos deveres do meu cargo, consagrando o resto da vida à visita dos indigentes e à instrução dos aprendizes e soldados, Senhor, ficaréis satisfeitos e conceder-me-éis a doçura de envelhecer junto de minha mulher e de completar a educação da minha filha? Talvez não o querais! Não aceitais estas ofertas interesseiras: rejeitais os meus holocaustos e os meus sacrifícios. É a mim que Vós quereis. Está escrito no começo do livro que devo fazer a Vossa vontade. E eu disse: "Eis-me aqui, Senhor".
"Dar-me-eis a coragem, a resignação, a paz da alma, e aquelas consolações exprimíveis que acompanham a Vossa presença real. Far-me-eis encontrar, na doença uma fonte de merecimento e de bênção, bênçãos que fareis recair sobre minha mulher, sobre minha filha e todos os meus, aos quais as minhas obras aproveitariam menos do que os meus sofrimentos".
Regressando a França, agrava-se a doença e ao passar em Marselha, o fim parece iminente. Ozanm encaro-o com a maior serenidade e responde com simplicidade sacerdote que o acompanhava, recomendo-lhe que tivesse confiança em Deus: "Como poderia temê-Lo, se O amo tanto! " E murmurando: "Meu Deus, meu Deus, tende compaixão de mim", expirou.
. . . Era o dia 8 de Setembro, da natividade de nossa Senhora, no ano de 1853.
Paris reclamou o seu corpo, que jaz sepultado na cripta da Igreja des Carmes.
Não é para admirar que a condição da alta espiritualidade da sua vida, toda ela dominada pelo pensamento da defesa da Religião, com inteira submissão ao Pontífice, a sua extrema caridade, assim como a evidente bênção de Deus sobre as sua obras, tenham feito nascer a ideia da beatificação de Ozanam. Com o apoio do Cardeal-Arcebispo de Paris e do Cardeal-Protector da Sociedade, foi proposto a causa a 15 de Março de 1925 e feito já o exame aos seus numerosos escritos, nos quais nada se encontrou que obstasse ao prosseguimento do processo. Assim, Sua Santidade João Paulo II assinou o Decreto de Beatificação em 25 de Junho de 1996 e foi solenemente beatificado em Paris, no dia 22 de Agosto de 1997, durante o Encontro Mundial de Jovens, a pedido do Santo padre, como exemplo para a juventude.
No mesmo dia foi declarada Doutora da Igreja, Santa Teresa de Lisieux.