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Prisões? Que esperança?

Há 20 anos Emídio Santana, vulto destacado do pensamento português do século XX e um dos que mais pugnou, além do mais, pelo respeito pela dignidade humana, deixou-nos um testemunho onde descreve a crueldade, a ineficácia e a desumanidade do aparelho de justiça em geral e do sistema prisional em particular, publicado pela Assírio e Alvim com o título “Onde o homem acaba e a maldição começa”. No prefácio a este livro começa por dizer-nos Emídio Santana:

“As prisões, lugares de expiação penal, absolutamente confinadas no seu espaço de reclusão e de exclusão, à margem da sociedade e no seu segredo, reservam-se no seu silêncio e isolamento como o instituto «da dor, sofrimento e expiação». São uns constantes aglomerados de gente em forçado convívio e fechado na sua adversidade, como lugares de maldição que apenas degradam mas não redimem, nem reabilitam, um submundo agreste envolvido no silêncio e na proscrição, um inferno próximo de todos nós, que estigmatiza e não suscita compaixão.

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Neste meio confinado de todas as horas, de todos os dramas de cada um, fermentam também, naturalmente, os sedimentos dos desejos, das vontades e das necessidade reprimidas como do desespero em busca de qualquer satisfação e que se manifestam ou afloram de várias maneiras. Será sempre o homem com os ímpetos vitais como serão também os seus próprios dramas que sofreram ou estão vivendo, como ainda o que o próprio cárcere exacerba no seu isolamento e amargura porque é somente o lugar de punição que o amaldiçoa para sempre.

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Hoje as cadeias regorgitam de encarcerados como é do domínio público e pelos conflitos que têm ocorrido. Pode-se assim avaliar o que será o drama no interior das cadeias quando o sistema funciona arbitrariamente na presunção de ser a defesa da sociedade.

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Isto era assim em meados do século passado (Michel Foucault, no seu livro “Vigiar e Punir”, diz-nos que nos últimos dois séculos o sistema de justiça tem mantido características de desumanidade de forma permanente).

Neste início do século XXI teremos um panorama muito diferente? Infelizmente a resposta não pode ser positiva. Vejamos porquê, num retrato da situação das prisões na actualidade (Os dados estatísticos referem-se a finais de 2006 e a 2007).

Nos últimos tempos a população prisional em Portugal tem vindo a descer dos mais de 13.000 reclusos em 2004 para 11.675 reclusos em 31 de Dezembro de 2007. Mesmo assim, Portugal é dos países europeus um dos que têm maior taxa de reclusão (cerca de 110 reclusos por 100.000 habitantes). Para esta população prisional estão directamente afectos cerca de 6.100 funcionários públicos, dos quais 4.500 guardas prisionais. Do total de reclusos 20% eram estrangeiros e as mulheres eram 7% do total de reclusos. A taxa de reincidência era superior a 50%, sendo de cerca de 80% o total de reclusos que cumpria penas superiores a 3 anos.

Mais de 50% dos reclusos não tinha ocupação aquando da prisão e 45% eram portadores de doenças na altura do início do cumprimento da pena. A maioria dos crimes (55% nos homens e 80% nas mulheres) estão ligados à droga. Mais de 50% eram toxicodependentes e a maioria continuou a consumir droga no interior das prisões. Cerca de 70% dos reclusos não tem qualquer ocupação e 45% padece de algum tipo de doença.

Os gastos com os serviços de saúde nas prisões são de mais de 30 milhões de euros anuais e só em medicamentos são gastos mais de 10 milhões de euros por ano, na maioria em psicotrópicos (60% do pessoal médico e paramédico têm vínculo precário). Há cerca de 100 crianças a morarem com as mães nas prisões e um elevado número de crianças, que vivem em liberdade com familiares ou tutores, vão passar o fim de semana com as mães às prisões.

A maioria dos reclusos que trabalham nas prisões exercem a actividade de faxinas, com salários inferiores a € 1,00 por hora, praticando as cantinas das prisões preços superiores aos verificados no exterior (nalguns casos superiores em 40%) em artigos necessários aos reclusos.

A alimentação de um recluso custa menos de € 5,00 por dia, para todas as refeições (Pequeno almoço, almoço, jantar e lanche de reforço para a noite).

As habilitações literárias dos reclusos variam entre 10% de analfabetos, 40% com o 1º ciclo do ensino básico, 40% com o 2º e 3º ciclos e 10% com formação de ensino secundário e superior.

Para este universo existiam em Portugal 52 prisões, nas instâncias judiciais e fiscais portuguesas estavam pendentes cerca de dois milhões de processos e quase 200.000 portugueses encontravam-se afectos a organizações de segurança e justiça.

E como é a vida no interior das prisões? Vejamos o retrato que nos deixou Emídio Santana:

“O condenado que entra numa penitenciária é como uma mercadoria que se arrecada num armazém. Toma o registo e um número que lhe é posto como uma etiqueta permanente, que substitui todas as designações anteriores que usava até aí, e é arrecadado na sua cela.

Tem um período de adaptação e de silêncio durante o qual, acidentalmente, começa a ver outras mercadorias semelhantes e então, pouco a pouco, vai entrando no abismo dos malditos, dos ex-homens, com os seus conflitos e farrapos de tragédia, mas também e de algum modo, com a vida que continua exigindo os seus direitos, a dor e a comédia como o traquejo para sobreviver.

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O dia a dia é sempre monótono e desgastante com o seu quotidiano de farsa e de tragédia, de loucura e rebeldia.”

E qual é o retrato que nos é dado por responsáveis actuais pelo sistema de justiça?

O Ministro da Justiça, Dr. Alberto Costa, declarou que o sistema penitenciário clássico falhou nos seus propósitos. O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Dr. António Clunny, expressou que o actual sistema de justiça está fora deste tempo e deste modelo de sociedade. O Dr. Germano Marques da Silva, professor de Direito Penal, manifestou a sua opinião de que a experiência dos últimos 200 anos tem sido um fracasso e que as prisões não reinserem mas, por vezes, fomentam a própria criminalidade, custando, além disso, muito dinheiro. O Dr. Diogo Lacerda Machado, ex-Secretário de Estado da Justiça, constatou que 75% das decisões dos tribunais são de forma e não de fundo, sendo que nos últimos 30 anos a população prisional e os meios financeiros para a justiça triplicaram, ao passo que o número de processos aumentou vinte vezes (cada processo concluído custa, em média, cerca de € 12.500 ao Estado). O actual Sub-director Geral dos Serviços Prisionais, Dr. João Guimas, expressou a sua opinião, já em Janeiro de 2008, de que o sistema prisional falhou em toda a linha e de que este sistema facilita a carreira criminosa.

O Orçamento Geral de Estado para 2008 consigna para o Ministério da Justiça o valor de € 1.215.531.227,00 e deste total está afecto aos Serviços de Investigação, Prisionais e de Reinserção (SIPR) o valor de € 328.990.981,00. Estes valores representam, relativamente a 2007, uma subida de 2% para o Ministério da Justiça mas uma descida de 1,7% para os SIPR.

A esta dimensão poder-se-ia acrescentar muitas outras vertentes. Por exemplo, o número de voluntários autorizados a exercerem a sua missão humanitária no interior das prisões ultrapassa o milhar de pessoas, pertencentes a mais de sessenta instituições, nomeadamente religiosas.

Como pessoa pertencendo a este grupo de visitadores posso constatar que, no meu contacto com reclusos e reclusas, vejo um horizonte muito sombrio no caso de não se produzir uma mudança radical no actual sistema social, de justiça e penitenciário. Dos testemunhos que vou tendo nas visitas semanais que faço às prisões, raros são os casos de perspectiva positiva perante o futuro dos reclusos. O mais frequente é a continuação da delinquência como horizonte.

Um recluso, a cumprir a sua 3ª sentença de cinco anos por furto (já tinha cumprido duas sentenças anteriores por crimes semelhantes), relatou-me o que se passou à chegada a casa na última vez em que saiu em liberdade:

“Cheguei a casa, sem qualquer ajuda do Instituto de Reinserção Social, e a minha mãe disse-me logo: Rapaz, vê lá se arranjas emprego porque somos pobres e não temos condições para te sustentar muito tempo sem ganhares dinheiro. No dia seguinte tentei algumas fábricas mas nada consegui porque ao dizer que tinha estado preso logo me diziam que não precisavam de pessoal. Cheguei a casa e não tinha resposta para a minha mãe. No dia seguinte passou-se o mesmo. Ao 3º dia fui roubar e cheguei a casa com dinheiro. Continuei assim até voltar a ser preso. Agora, quando voltar a ser libertado não tenho dúvidas que vou retornar ao mesmo: roubar. ”

Um outro ex-recluso confessou que “é quase impossível resistir à tentação de regressar à vida do crime, que possibilita altos rendimentos e o acesso ás coisas boas, quando a alternativa é um emprego pago com o salário mínimo.”

Mas o contacto com os reclusos mostra-nos que o ser humano continua a existir, desde que a oportunidade certa seja possível, e que essa humanidade se expressa com valores muito altos. Há casos de reclusas que, sendo mães, guardam todos os géneros alimentícios que podem das suas refeições nas prisões (fruta, doces, bolachas) para enviarem para os seus filhos que, muitas vezes, ficam ao cuidado dos vizinhos ou de outros familiares.

Infelizmente, quer as condições no interior das prisões, quer a sensibilidade da comunidade para com os presidiários, não ajudam a reabilitação e a prevenção de reincidência. O Padre Georgino Rocha, professor da Universidade Católica, constata que enquanto a situação no interior das prisões estiver como está, não nos encontramos em vivência cristã (Mais de 90% dos portugueses assumem-se como cristãos). Por outro lado, o Provedor de Justiça, no seu relatório sobre as prisões, diz que não é possível aspirar a qualquer tratamento de mínima qualidade no combate à reincidência.

Além de tudo isto, é muito elevado o número de casais que se divorciam com a reclusão de um dos seus membros, dificultando a recuperação do recluso. Por outro lado, não é difícil adivinhar como se processa um divórcio com um dos cônjuges preso e a sua limitada capacidade de intervenção na partilha de bens e regulação do poder paternal. Tudo se processa através do advogado que o visita esporadicamente, a quem o preso não pode pagar pois, normalmente, o outro cônjuge não lhe permite o acesso aos meios que eram do casal. Em muitos casos, o recluso fica sem família e sem meios.

Há perspectiva de uma modificação significativa?

Com a propensão do Estado em diminuir o seu papel como interveniente na definição dum quadro social assente numa perspectiva humanista (o modelo repressivo é aquele que, actualmente, mais conquista a maioria dos cidadãos) – dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza e nos primeiros 4 anos deste século XXI a Europa dos 15 (a Europa rica) gerou mais um milhão de pobres em cada ano a acrescentar às dezenas de milhões já existentes – importa encontrar resposta para a questão levantada por Frei Bento Domingues:

” A quem aproveita o desenvolvimento? Como é possível deixar uns afundados na miséria e outros no luxo?”

O arrepiar do caminho que nos está a levar para um beco sem saída, que não reinsere os delinquentes nem assegura a reparação às vítimas (estas são duplamente vítimas – do crime que as afectou e deste sistema de justiça), tem de passar pela prioridade à diminuição da conflituosidade, ao invés do que se está a passar em que a prioridade é dada aos meios repressivos. A sucessiva dotação de mais meios para a repressão – mais tribunais, mais juízes, mais oficiais de justiça, mais prisões, mais guardas prisionais, mais polícias, mais esquadras, mais multas e mais pesadas, etc… - não tem tido resultados. Se este reforço de meios fosse dedicado a uma política assumida de diminuição da conflituosidade na sociedade os resultados seriam muito melhores em todos os sentidos.

A aposta na repressão nunca, ao longo da história, foi o caminho para uma sociedade melhor. Mesmo na actualidade, nos países em que o sistema penal é mais repressivo (China, Rússia, Estados Unidos da América) é onde se verifica maior taxa de criminalidade e de reclusão. Logo, o modelo repressivo não é dissuasor da prática criminosa, quase parecendo provar-se o contrário: quando maior é a repressão maior é a taxa de criminalidade.

Acresce que a imagem do Estado perante os cidadãos deixou de ser influenciadora de comportamentos ditos civilizados. A forma de funcionamento dos diferentes órgãos de soberania e dos partidos políticos com acusações de todo o tipo em guerrilha permanente, o envolvimento de altos responsáveis em acções censuráveis do ponto de vista criminal e ético, o desmantelamento acelerado do “Estado Social” com a colocação de faixas enormes de pessoas em situação desprotegida (25% dos jovens dos países que integram a Organização Internacional de Trabalho vivem com menos de dois euros por dia), enfim, o apagar da figura do Estado como pessoa de bem, não são exemplos propiciadores duma tendência para a diminuição da criminalidade.

A desumanidade que conduz à insegurança, à delinquência e à criminalidade não está só nos criminosos que vão parar às prisões. Está, também, em quem tem a responsabilidade de conduzir as estruturas da sociedade com observância dos direitos universalmente consagrados, a que estão obrigados por força da ratificação dos instrumentos legais aprovados, mas que, ao arrepio desses valores, colocam os interesses pessoais e dos lobbies que os sustentam acima do respeito pelos direitos dos cidadãos a quem deviam servir. E a situação não é pior porque a marginalidade social crescente que não encontra resposta nas estruturas do Estado vai sendo atenuada por organizações de voluntários (Cerca de 80% das políticas de apoio social em Portugal são executadas por organizações ligadas à Igreja Católica). Além disso, a maioria que se encontra fora das margens é, normalmente, sustentáculo para o status quo.

Etiene de la Boetie, filósofo francês do século XVI, dá-nos um exemplo claro deste comportamento no seu livro Discurso sobre a Servidão Voluntária:

“ É espantoso como o povo se deixa levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espectáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos de servidão, preço da liberdade, instrumentos de tirania. Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os súbditos sob o jugo. ……. Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. ……. Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão. ……. O povo sempre assim foi.”

Ouçamos ainda Nietzsche: Ai! Onde se praticam mais loucuras do que entre os misericordiosos? E haverá no mundo maior causa de sofrimento do que as loucuras dos misericordiosos? Pobres dos que amam, se não sabem dominar a sua própria piedade. O diabo falou-me assim um dia: “Deus também tem o seu inferno; é o seu amor pelos homens”. E recentemente ouvi-lhe dizer estas palavras “Deus morreu; foi a sua piedade pelos homens que o matou”. Assim falava Zaratustra.

Tem sido a incapacidade humana de perspectivar um outro caminho para o tratamento da delinquência que faz com que cheguemos ao século XXI com os mesmos problemas do passado.

Michel Foucault, em Vigiar e Punir, constata: “Vamos admitir que a lei se destine a definir infracções, que o aparelho penal tenha como função julgá-las e que a prisão seja o instrumento da repressão; temos então que passar um atestado de fracasso. Ou antes – pois para estabelecê-la em termos históricos seria preciso poder medir a incidência da penalidade de detenção no nível global da criminalidade - temos que nos admirar de que há 150 anos a proclamação do fracasso da prisão se acompanhe sempre da sua manutenção. A única alternativa realmente apontada foi a deportação que a Inglaterra abandonara desde o começo do século XIX e que a França retomou sob o Segundo Império, mas antes como uma forma ao mesmo tempo rigorosa e longínqua de encarceramento.”

O caminho para a prevenção e tratamento dos conflitos tem de passar por uma mudança profunda das políticas que estão a ser seguidas. O modelo repressivo não defende os interesses das vítimas, não repara os danos do crime, não dissuade da prática de novos crimes nem reinsere os ex-reclusos numa sociedade em que os valores do perdão, da misericórdia, da paz e da concórdia estão submergidos. A prática da cordialidade tem de se sobrepor à da agressividade, não devendo ser delegada na repressão a solução para a conflituosidade.

Tem de ser incrementada a obrigação moral de combate à solidão, à marginalidade, aos maus tratos e ao abandono (… mas as crianças Senhor? Porque lhes dais tanta dor? Porque padecem assim?). Deve ser separado o erro e a infracção (corrigindo e perdoando, com recurso aos tribunais arbitrais e à justiça restaurativa, por exemplo) da patologia e da anormalidade (que são tratadas noutras instâncias que não nas prisões). Deve ser fomentada a relação fraterna com os outros rejeitando o ódio, a vingança e a indiferença. Tem de ser aumentada a cultura humanista, relevando os sentidos da honra, da vergonha, do exemplo e da boa-fé.

Muitas centenas de pessoas com ligações às prisões (funcionários, visitadores, religiosos, etc…), vão tentando, junto dos reclusos e das suas famílias, que se inverta o caminho para a queda no precipício, que não haja mais vítimas, que não haja sofrimento em consequência de actos censuráveis e desnecessários. Mas o êxito destas acções está comprometido pela evolução social actual. Com os níveis de desemprego e de trabalho precário, com o aumento de pessoas em situação de pobreza, com o agravar da iletracia, o caminho para a prática de actos anti-sociais está facilitado. Ainda recentemente, numa conferência internacional “Por um desenvolvimento global e solidário – um compromisso de cidadania”, promovida pela Comissão Nacional de Justiça e Paz, se concluiu:

“Há cerca de vinte anos que existem no País programas mais ou menos compreensivos de luta contra a pobreza, integrados nos programas correspondentes de âmbito europeu. Muito se aprendeu e se fez no decurso deste tempo. Ocorre, no entanto, perguntar a razão por que, não obstante esse esforço rodeado de grandes expectativas, persistem situações como as seguintes:

- A taxa de pobreza no País tem-se mantido quase constante, à volta dos 20%, taxa que corresponde a cerca de 2 milhões de portugueses;

- Durante o período 1995-2000 passaram pela pobreza (em pelo menos um ano), 47% das famílias portugueses, dentre as quais 72% foram pobres durante 2 ou mais anos;

- 40% dos representantes desses agregados familiares eram pessoas empregadas por conta doutrem ou por conta própria e a percentagem dos reformados era superior a 30%;

- É anormalmente elevada, no contexto europeu, a transmissão geracional da pobreza.”

Obviamente que isto tem reflexo nos comportamentos anti-sociais, nomeadamente na delinquência e, por consequência, no caminho para a prisão. Não é por acaso que a população prisional em Portugal se situa num dos níveis percentuais mais elevados da União Europeia.

A Amnistia Internacional, no seu relatório anual de 2007, denuncia:

De acordo com a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, em Maio de 2006, 70% das cadeias tinham a lotação acima das suas capacidades inicialmente previstas, (…) tinham mais do dobro do número previsto de prisioneiros. A sobrelotação diminuiu os recursos disponíveis para cada recluso e agravou as deficientes condições de higiene e a transmissão de doenças infecciosas. Das 91 mortes de reclusos durante 2006, 74 foram devido a doença, 14 foram causadas por suicídio e três foram registadas como homicídio.

Em Junho o Ministro Alberto Costa anunciou os planos do governo para encerrar 22 cadeias e alargar outras, aumentando a capacidade total de 12.000 para 14.500 pessoas.

Como se está a ver o objectivo não é diminuir o número de reclusos mas sim aumentar a lotação das prisões. É espantoso que numa sociedade que se reclama humanista vejamos as medidas governamentais apostarem no acréscimo dos meios repressivos, enquanto se assiste a um proclamar de ausência de condições económicas para melhorar as condições sociais que levariam à diminuição da delinquência e, por conseguinte, à diminuição do número de presos, com as consequências nas relações de cidadania e na diminuição das rupturas dos laços familiares.

As recentes alterações aos códigos penal e do processo penal são um reconhecimento da ineficácia do sistema prisional. Amenizaram o excessivo carácter repressivo dos códigos anteriores e introduziram medidas que substitui a prisão por outras formas de censura e reparação dos danos causados pelos delinquentes.

Mas as questões de fundo continuam de pé.

É urgente arrepiar caminho. Enquanto assim não for corremos o risco de se poder aplicar às prisões a imagem que Dante nos dá do Inferno na Divina Comédia: Vós que entrais, abandonai toda a esperança!

Não podemos aceitar passivamente, em nome dos direitos humanos universalmente consagrados, que se mantenham fundadas suspeitas da continuidade da imagem deixada por Emídio Santana: “É afinal o submundo dos ex-homens, dos malditos e dos proscritos, o lugar onde o homem acaba e a maldição começa com o seu quotidiano e onde todos os problemas humanos se enxergam e se colhem numa infernal cultura ou nos pormenores de várias tragédias humanas arquivadas nos registos judiciais que, quando vistos em separado, se tornam nítidos e explícitos.”

Prisões. Que esperança?

Manuel Hipólito Almeida dos Santos

Presidente da O.V.A.R., Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos – Porto

Sociedade de São Vicente de Paulo

08/01/2008

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